Qualidade no serviço
público é um tema que vem despertando a atenção de muitos estudiosos. Melhorar
a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, como resultado da adoção de
uma administração pública gerencial, flexível, eficiente e aberta ao controle social
e aos resultados, é hoje uma questão de consenso entre esses estudiosos. O homem desde seu passado mais remoto, ainda nas
cavernas, aprendeu a buscar a qualidade como forma de garantir sua
sobrevivência por mais tempo com segurança e conforto, apesar da vida
primitiva. Paladini afirma que a
"preocupação com a qualidade remonta à épocas antigas, embora não
houvesse, neste período, uma noção muito clara do que fosse qualidade". A
qualidade estava consagrada na arquitetura, na literatura, nas artes, na
Matemática.
A afirmação de que a preocupação com a qualidade
é antiga, parece ser um consenso entre os estudiosos do tema. Juran, por
exemplo, expõe que "as necessidades humanas pela qualidade existem desde o
crepúsculo da história". Entretanto, os meios para obter essas
necessidades, os processos de gerenciamento para a qualidade sofreram imensas e contínuas mudanças.Garvin entende que a qualidade é conhecida, como
conceito, a milênios. Todavia, só recentemente, surgiu como função de gerência
formal. Para o autor, a disciplina ainda está em formação podendo ser
identificadas quatro "eras da qualidade" distintas: inspeção,
controle estatístico da qualidade, garantia da qualidade e gestão estratégica.
O conceito de qualidade nos serviços é abordado
por diferentes autores. Juran , por exemplo, aborda o conceito de qualidade em
serviços da mesma forma que sua definição genérica de "adequação ao
uso" como sendo a capacidade de um serviço corresponder satisfatoriamente
às necessidades do cliente quando o serviço é prestado. Essas necessidades
podem ser de cortesia, pontualidade, fácil acesso ao serviço, informações
claras e precisas, entre outras. Albrecht da mesma forma, trata a qualidade em serviços
como a capacidade que uma experiência ou qualquer outro fato tenha para
satisfazer uma necessidade, resolver um problema ou fornecer benefícios para
alguém.
Fica nítido em ambas as definições, a importância
de se considerar as expectativas dos clientes. Na opinião de Las Casas, os
clientes ficam satisfeitos ou não, conforme suas expectativas. Portanto, a
qualidade do serviço é variável de acordo com o tipo de pessoa, e a excelência
é alcançada quando as expectativas dos clientes são superadas. Assim, a
qualidade de serviço deve ser definida segundo o ponto de vista do cliente.
Qualquer organização pública que procura atingir
objetivos como: qualidade, redução dos custos, melhor atendimento ao cliente e
desenvolvimento de novos serviços certamente passará por um conjunto de
mudanças na organização do trabalho. E essas mudanças exigem uma intervenção
global, interativa e simultânea ao nível de cultura e sistemas de valores da
organização.
Na opinião de Stoner para lidar com a mudança, as organizações
podem adotar dois métodos principais. O primeiro é a reação aos sinais de que
as mudanças são necessárias, introduzindo modificações aos poucos para ir
enfrentando determinados problemas à medida que eles vão surgindo. O segundo é
a criação de um programa de mudança planejada, que enfrenta não só as
dificuldades presentes, mas também os problemas previstos e que ainda não podem
ser observados com clareza.
A
implantação de ações relacionadas com a qualidade implica portanto, na criação
de uma cultura própria, envolvendo não apenas novas relações com o mercado, com
o cliente, mas também novas formas de interação interna, novas relações de
poder. Paralelamente, implica muitas vezes, em resistência dos membros da
organização à mudança.Tal resistência é resultado de muitos fatores.
Stoner por exemplo, menciona três fontes
gerais de resistência à mudança: incerteza quanto às causas e efeitos da
mudança; falta de disposição para abrir mão de benefícios existentes; e, a consciência
das fraquezas das mudanças propostas.
É essencial, entretanto, reconhecer que a mudança é
inevitável. Schon afirma que a perda do
estado estável significa que a sociedade e todas as suas instituições estão em
contínuo processo de transformação e que não se deve esperar novos estados
estáveis.
Assim, é preciso aprender a suportar, influenciar e
administrar as transformações, adquirindo a capacidade de empreendê-las de
forma integral a si próprio e às organizações. Neste sentido, Kotter e Schlesinger
apresentam seis maneiras de se vencer a
resistência à mudança: educação e comunicação; participação e envolvimento;
facilidades e apoio; negociação e acordo; manipulação e cooptação; e, coação
explícita e implícita.
As características essenciais ligadas à
qualidade dos serviços têm sido assimiladas lentamente pelo setor público. De
fato, enquanto o setor privado passou a última década promovendo mudanças
revolucionárias - descentralizando a autoridade, reduzindo a hierarquia,
privilegiando a qualidade, aproximando-se dos clientes - o setor público
continuou agindo sem qualquer inovação, baseada no burocratismo weberiano e em
métodos gestoriais tayloristas.
Uma idéia que parece ser consenso entre
a sociedade e os autores que se dedicam ao estudo do tema em questão, refere-se
ao distanciamento do Estado de sua função primeira, servir à sociedade. Para
autores como Albrecht, por exemplo, muitas pessoas que trabalham em órgãos
públicos, consciente ou inconscientemente, julgam estar em posição de
influência burocrática em relação ao público, e não à sua disposição.O serviço público é pago indiretamente, via
impostos. Por conta disso, visto como um favor, uma concessão, como se o
salário pago ao funcionário não saísse do bolso do contribuinte. Segundo o
editorial do Jornal do Brasil (1998), essa é uma cultura que acompanha a
instituição pública desde a fundação do Estado moderno, não só no Brasil.
Desta forma, alastra-se a idéia de se reformar
urgentemente as instituições públicas. Dentre os diversos aspectos ligados as
disfunções do modelo burocrático, outros justificam tal posicionamento. Com
base na análise do cenário atual e em autores como Teixeira, pode-se destacar
seis:
- má
gestão dos recursos: o fato de que as organizações públicas tem
dificuldade de se manter com os recursos que dispõe;
- pouca
confiabilidade: não há indicação de que os escândalos e corrupção do
passado não mais ocorrerão;
- dificuldade
na resolução dos problemas: está muito difundida na sociedade, a idéia de
que os órgãos públicos são, em sua maioria, incompetentes para resolver os
problemas do país;
- falta
de qualidade no atendimento: há consenso de que as instituições públicas
não atendem as necessidades e expectativas dos seus usuários;
- aumento
da consciência social: impera maior consciência social sobre o peso dos
impostos e intensificam-se os movimentos da sociedade civil e da
comunidade;
- inexistência
de ameaças: não existe ameaça concreta à segurança nacional, em termos
ideológicos ou econômico.
Além
desses, outros aspectos podem ser mencionados principalmente em relação a
gestão de pessoas, tais como, a existência de uma política de recursos humanos
perversa com grandes diferenças salariais, a subutilização dos talentos
humanos, o reduzido investimento na capacitação dos servidores, com programas
de treinamento mecanicistas, desconexos e sem sustentação nas diretrizes
estratégico-institucionais.
A existência de políticas públicas indefinidas e de
pouca constância e coerência com os propósitos sociais representam pontos
críticos também. Para Monteiro, este cenário é consequência da chamada
"síndrome dos quatro anos", ou seja, o gestor preza por descontinuar
as ações iniciadas pelo seu antecessor. Há quebras de continuidade e reinício a
cada período, sendo fácil constatar obras inacabadas e desperdícios de dinheiro
público.
O autor ainda relata, como marcas da síndrome, e
que muito bem descreve o cenário atual dos serviços públicos:
- personalismo
: a marca pessoal do dirigente se sobrepõe a da instituição;
- inconseqüência:
pouca preocupação com gastos, custos e endividamento;
- sucateamento:
não há manutenção dos bens;
- leviandade:
preocupação apenas com a aparência;
- politicagem:
confusão entre o cidadão-cliente e cidadão-eleitor;
- clientelismo:
garantir o futuro próprio ou de seu grupo e não o da organização;
- imobilismo:
oferta de serviços não mais necessários ou desatualizados.
Além da descontinuidade administrativa,
o serviço público é marcado ainda, pelo sucateamento dos serviços essenciais
(saúde, educação, transporte e segurança) e pela fragilidade financeira do
Estado. Os déficits orçamentários têm levado o governo a provocar cortes
tempestivos no orçamento, eliminando e adiando muitas vezes, programas
extremamente necessários ao bom andamento de suas empresas e à sociedade.
A insuficiência tecnológica é um outro
ponto característico do serviço público. Percebe-se alguns casos isolados e
recentes de procedimentos e órgãos informatizados, todavia o que ainda
predomina é a demora na absorção de inovações tecnológicas e também gestoriais.
Os administradores públicos parecem não
ter percebido a qualidade do serviço como um fator de sobrevivência, tornando
raras as alternativa para o cliente. A garantia permanente de existência, a
falta de qualquer força predatória no ambiente da organização pública gera um
clima de indiferença que se infiltra em todos os cantos da maioria dos órgãos
públicos. Albrecht vai mais longe e coloca que "não é necessário, às
entidades governamentais, que seja oferecido um bom serviço"
Na opinião de Monteiro despreocupados com seus
produtos e seus clientes os serviços públicos transformam-se em entraves ao
desenvolvimento, vorazes consumidores das receitas públicas e alvo de todas as
pedras da sociedade.
Na verdade o que se observa é que a qualidade e a
política não combinam. Pesquisando sobre o governo americano, Main concluiu que a política é impaciente, a
qualidade é paciente. A política quer uma grande sensação, a qualidade avança a
pequenos passos. A política é esporádica; a qualidade é contínua. A natureza de
curto prazo, confrontacional e personalizada da política trabalha contra a
qualidade.
Também é importante atentar para o fato de que os
órgãos governamentais enfrentam uma série de desafios que interferem na
prestação de um serviço qualificado. Carr , por exemplo, cita os terríveis déficits,
o aumento de demanda no campo de serviços tradicionais, os problemas novos e incomuns
criados por uma sociedade altamente competitiva e uma descrença cada vez maior,
por parte da população, com relação à capacidade das instituições públicas em
servir às suas necessidades.
Acrescenta-se a esses aspectos, outros que
refletem os problemas modernos como a crescente insegurança e complexidade do
desenvolvimento científico e tecnológico e as catástrofes latentes,
especialmente no âmbito da saúde e do meio ambiente.
Assim, se a estrada para a qualidade é longa e
difícil para o setor privado, diante do cenário atual, é ainda mais longa e
difícil para o setor público, mas como diz um velho ditado Chinês, “ uma grande
caminhada começa com o primeiro passo”, basta se preparar e começar a caminhar.